segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Infâncias, insurgências e coexistências: escritas de pesquisa e popularização da ciência

“É TEMPO, ENFIM, DE DEIXAR DE SER O QUE NÃO SOMOS” 

Quijano


É tempo de a infância deixar de ser o que não é. Esta uma das premissas do projeto Infâncias, insurgências e coexistências: escritas de pesquisa e popularização da ciência (CNPq) que desenvolvemos este ano com nossos parceiros (UERJ/GPICC; PUC/Rio e UFRJ) no contexto das ações de integração Infância até os 12 anos.

É tempo de politizar a infância buscando em suas condições de existência e insurgências as questões colocadas por sua presença na roda participativa da vida. E como bem nos adverte Krenak a vida não é útil, mas fruição, uma dança cósmica. A brinquedoteca ao longo de seus 21 anos de atuação no ISERJ tem buscado viver essa fruição na sala de brincar e em projetos parceiros, assim como nos rolezinhos pelos espaços da escola e tempos de recreio, estes com nossa desimportante mala de brinquedos.  


Crianças do 3° ano, das professoras Flor e Ana Paula, registraram que brinquedos querem na mala, além de continuar os rolezinhos!


LIBERA PARQUINHO...

Realizamos oficinas de criação de ideias de brinquedos para ocupação dos espaços do recreio. 


Inspiradas em imagens do livro Arte Lúdica, da escultora e designer Elvira de Almeida, e em perguntas levadas para instigar a conversa nos grupos como: o que aprendemos quando temos um tempo e um espaço livre para brincar


Queremos uma casinha na árvore, mas tem que ter uma gangorra colorida, pois as que tem por aí são muito sem cor...  precisamos de escorregas de água e sabão... aprendemos a ter amigos, a trabalhar em grupo e a fazer “parcur” que é pro cachorro não pegar nós... uma escola brincante seria cheia de brinquedos e de crianças...  meu grupo pensou em 2 horas, 8 min e 6 segundos, o tempo bom para nosso recreio... nosso grupo quer muito mais, 6 horas, é que temos que ter tempo para se divertir e movimentar os ossos! 


Com os alunos do Design da PUC/Rio (PROJETAR EM PARCERIA) foi proposto que as crianças colocassem suas produções em um tapete confeccionado por esses estudantes que representa o espaço do recreio dos Anos Iniciais (EF).  


Entre campos de futebol, escorregas e outros, a casa na árvore foi o projeto mais votado! Foram vários projetos de casas na árvore, um refúgio cujo desejo e necessidade - de abrigo e aconchego- surge muito intensamente na brinquedoteca também.

Corpo casa cosmos1,  trouxemos essa tríade para a conversa com a história da Sumaúma, uma das maiores árvores da Amazônia, lugar de aldeias e morada de muitos seres, e planejamos nosso passeio ao Jardim Botânico para conhecer essa gigante de perto. (os passeios ficam registrados no facebook do Ônibus da Esperança/link no blog)


Seguimos refletindo por essa tríade – corpo, casa, cosmos – aproximando a ideia de uma escola viva que acolhe o desejo de + brinquedo e + tempo ; aberta o dia todo, como inscrito nos dois lambe lambes que elegemos, criado pelos alunos da PUC a partir da produção das crianças do 3º. Ano. 



Um lugar para ser descolonizado?


Duas turmas do 5º. Ano entraram no projeto, e foram unânimes em dizer que são crianças e querem ainda brincar na brinquedoteca. 


A resposta que deram sobre o que aprendem quando brincam, em ambas as turmas - aprendemos a liberdade, a ser livres! – nos reafirma a dimensão lúdica do aprender trazendo esse elemento chave – a liberdade - esta que oferece ao impulso da curiosidade a possibilidade de transposição do real como experiência autoral.



Memórias e experiências que vinculam o tempo, como na imagem da menina do 5º. Ano que entra animada no baú dizendo eu ainda caibo aqui

E a primeira narrativa trazida pelo menino: 

nós nascemos bebês, vamos pra creche, depois escola, formamos e vamos trabalhar; ficamos velhos, aposentamos e morremos, não entendo um tempo ser assim, pra que? 

Quanto tempo tem o tempo... como ele passa por nós ou como passamos por ele? Como a infância sente esses movimentos e suas transformações? 


São encontros de muito teatro com cenários montados dentro e fora da sala, liberando a encenação, a grande pausa criativa no trabalho educacional, como nos diz Walter Benjamin, esta que nos ensina e educa realizando a infância no jogo.


“AS CRIANÇAS COM SUAS PALAVRAS SABEM MUITO MAIS LONGE”2 

Parafraseando Bartolomeu C. Queirós na trilha de seu belo livro - – Cor/respondências - trazemos algumas “respondências” buscando acordar palavras tão caras às crianças que ainda dormitam nos manuais escolares. Como diz o autor, palavras dizem coisas que só o coração escuta, e o menino Carlos desafiou os colegas a escrever do coração!3

Às vezes me perguntam qual é a melhor parte da minha infância e eu não sei dizer porque a minha infância é como uma vida... Eu ainda sou criança, estou virando adolescente, mas isso não impede de brincar com meus amigos e amigas... meu maior sonho é ser criança para sempre, não precisa trabalhar nem pagar as contas... Ser adulto tem seu lado bom também, mas ser criança é uma coisa tão boa que eu não tenho argumentos para explicar.

A brincadeira é o trabalho da infância... a vantagem de aprender brincando é que a criança nunca mais esquece... brincando as crianças aprendem a esperar sua vez, a ganhar ou perder e a compartilhar com os amigos... toda criança precisa brincar para ser feliz e aprender.

As crianças precisam brincar, mas também estudar. Porque? Bom, elas têm que aprender sobre a liberdade...liberdade significa o direito de agir segundo a própria vontade, desde que não prejudique outra pessoa 

A liberdade é muito importante em nossa vida pelo motivo de que tendo liberdade nós podemos expressar nossos sentimentos em forma de frases, músicas, poesias opinião e etc. Assim, a liberdade nos faz ser livres.

Liberdade, esse nome que me fascina tem 3 ingredientes: amor, paz e compaixão... liberdade é brincar, mas também rir, abraçar e até chorar... uma hora a gente cansa de brincar e então conversamos, uma das melhores coisas de se fazer...

Precisamos de liberdade também para um dia ensinar a nossos filhos como eram as brincadeiras de hoje em dia... Às vezes nossos pais não deixam sair ou somos nós que não saímos por causa do videogame e celular...  liberdade é ficar fora de casa sem coisas eletrônicas e brincar com os amigos e amigas.  Hoje tenho 11 anos e uma coisa que tenho é liberdade.

A escola poderia liberar mais espaço para que a gente possa ser mais livres e dar uns minutos a mais pra gente brincar... Uma coisa bem legal foi ter liberado a bola e a mala de brinquedos, isso nos deu mais liberdade e agora podemos brincar de várias coisas diferentes.

Mas liberdade tem seus limites. Como assim limites? Aprender, estudar, entender, até isso é liberdade... sermos livres para brincar e conseguir a capacidade de controlar seus limites e os pais deixarem sair de casa. Senti isso quando fiquei 2 anos preso em casa sem poder brincar... Nós precisamos de liberdade!

Muitas mulheres não podiam sair antigamente porque os homens não deixavam saírem sem eles, mas eles podiam sair sem elas... Elas não podiam trabalhar de short, não podiam fazer nada, só comida, eles achavam que elas eram empregadas deles e faziam tudo dentro de casa... foram proibidas de votar, jogar bola..., mas hoje não é mais assim.

Na minha opinião tem que parar de ter escravidão, agressões físicas contra mulheres, racismo, abuso sexual com crianças... Também tem passarinhos na gaiola presos e todos esses casos tem que melhorar.

Por favor pense nas crianças que realmente não tiveram infância como moradoras de rua e ainda mais aquelas que fizeram a história no Brasil com o trabalho infantil... Espero que tenham entendido uma infância de verdade. 


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1 Livro Regenerantes de Gaia, Dantes Ed., de Fabio R. Scarano.

2 O projeto segue em 2023 com financiamento para feitura de livros escritos por crianças. 

3 Fragmentos trazidos dos textos escritos nos cadernos do projeto criados nas turmas do 5º. Ano das professoras Ana Cristina e Márcia Bria. Alguns autores que assinaram estes fragmentos:  Manuela, Isa e May ; Maria Clara, Lara e Jhenifer (Turma 502); Carlos Henrique, Guilherme de Moraes, Miguel Taya, José Victor – Carlos Mateus, Davi, Enzo, Guilherme Lima, Nicolas ( turma 501).

segunda-feira, 1 de março de 2021

Diálogo com Grupo Alfabetização em Curso (PEDAGOGIA/ISERJ)



















É difícil fotografar o invisível, no entanto, tentei” Manoel de Barros 

Inspiradas por esses diálogos escrevemos sobre os desafios da experiência estética na educação tendo como foco a construção de um pensamento autoral. A experiência estética no campo lúdico, este no qual se insere nosso conceito de brinquedoteca, é pensada como um movimento que desde nossa incompreensão primitiva  impulsada pela curiosidade nos impele a buscar o mundo das coisas. Lúdico como aprendizagem do desejo, diz M. M. Bousquet (1987), este que tateia e saboreia a plasticidade da vida enquanto desejo do apetite de viver. D. Winnicott (1975) vê na sustentação da ambivalência - mundo interno mundo externo - a possibilidade de seguir formando imagens e utilizá-las construtivamente, como continuidade da existência que se quer autoral.


Pelo movimento de seu corpo inteiro, a criança brinca/representa o nome e assim aprende a falar. O movimento da língua só é um caso particular dessa brincadeira, desse jogo. Para a criança as palavras não são signos fixados pela convenção, mas primeiramente, sons a serem explorados. Benjamin diz que a criança entra nas palavras como entra em cavernas entre as quais ela cria caminhos estranhos (J.M. Gagnebin, 2005, p. 97;98)

 


Walter Benjamin é autor que nos ajuda a resignificar a importância desse caráter particular da aprendizagem humana a partir de sua reflexão sobre a dimensão mimética da linguagem. Ao analisar o desenvolvimento da linguagem a partir de nossa capacidade mimética original, modos de ligações e configurações na criação de semelhanças desde a mímica gestual corporal primitiva, a sonoridade que acompanha essas expressões até a linguagem fonética, relaciona esses movimentos ao jogo infantil, uma vez que a criança reinaugura a cada vez essa sensualidade primeira buscando reter a fisionomia do mundo.


Há nesse jogo da vida muita luta, o combate fictos fingido (A. Houaiss, 1983) no campo do lúdico onde nossos tantos tremores não produzem feridas, mas a chance mesmo de experimentar a vida em seus múltiplos afetamentos.  

Sobre o caráter assustador do livre brincar lembramos aqui desde as reflexões de H. Marcuse (1981) sobre a grande recusa de nossos impulsos libidinais, a negação da união Eros e Logos que a racionalidade tenta afirmar contra o perigo de uma possível revolução que ameaça sua realidade normatizada e o esfacelamento de seu poder.



Poder que confina a arte ao museu e a fantasia a uma “outra cena” à margem da realidade, onde o princípio de realidade faria uma concessão ao princípio de prazer, concessão por onde Freud (1996) via a possibilidade de escapar da realidade e Winnicott (1975) a criação mesmo de sua fabricação.

Escavando nossos muitos registros desse longo trajeto do laboratório brinquedoteca na escola reiteramos a urgência da experiência estética na educação escolar em uma perspectiva crítica, na qual a ideia de uma diferença radical entre o jogo da criança e o jogo do adulto, por imaturidade infantil, seja revista por um princípio de transposição imaginária do real, comum a todas as gerações, vide as artes, mas radicalizada pelas crianças.

E se não está perdido ainda o resíduo da compulsão primitiva em criar raízes para ler o mundo, caberia dizer que para dar sentido a esse existir no presente precisamos seguir com as infâncias explorando cavernas, onde o mundo dos acontecimentos oníricos que permeiam o brincar, nunca idênticos, mas semelhantes, possa deixar de ser o mesmo para se tornar também outro, novo, futuro verdadeiro (Gagnebin, 2005, p. 100). 



Ref:  Texto completo nos Anais CEI/UERJ 2021 - MUNIZ, Maria Cristina S. Tia, eu fico possuído! Experiências estéticas e educação. In: III Congresso de Estudos da Infância, 2021, RIO DE JANEIRO. Movimentos, limiares e fronteiras. RIO DE JANEIRO: UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA, 2021.


sábado, 15 de fevereiro de 2020

Pensar Infâncias na Cidade em Tempos de Pandemia

Foi uma pesquisa realizada com crianças por estudantes da Pedagogia (ISERJ), no contexto da disciplina Laboratório Pedagógico/ Brinquedoteca em/2020.2, trazendo pequenos relatos fruto de exercícios de escuta sobre o momento de pandemia.

As crianças, parceiras que nos abrem janelas para vislumbrar o contemporâneo, mergulhadas conosco em nossa barbárie, sinalizam talvez alguma esperança ao apontar que “O QUE MAIS FALTA A ELAS NESSE MOMENTO SÃO OS AMIGOS!”

 Em que pese o estado inconstante de nossas relações sociais tratadas como relações de consumo, a falta dos amigos aparece aqui, talvez ainda mais pelo estado de incerteza que acomete a todos nós, como uma falta existencial, aquela que faz o menino subir na árvore para, isolado, poder ver, ainda que de longe, os amigos, como relatado em uma das conversas.

Crianças. Fonte: <http:// portuguese.alibaba.com>


A tal ponto essa falta se desenha vital que as crianças arriscam, com a paixão que ainda não cogita remover a incoerência da vida, uma topologia cujo único ponto fixo e seguro é o outro - o amigo - este com quem vão subir ao céu no caso do amigo também morrer, uma ideia apresentada por outra criança tentando acalmar a turma.  Podem até aceitar as coisas “chatas da escola” – sem intervalo, a roupa abafada, muito tempo na cadeira – mas a falta dos amigos não, pois a saudade de abraçar, de estar com eles, é ainda maior que algumas novidades que gostaram de experimentar como poder ver mais “lives” dos cantores, aprender muitos jogos, usar qualquer roupa na aula em casa.

Vai passar! É o que se costuma dizer para as crianças... é também o que nos ensina a consciência histórica.

 

Criança. Fonte: <https://pixabay.com/pt/users/terimakasih0-624267/>.


Vai passar, mas estamos dentro, de dentro, entre melancolias, absurdos e utopias. As crianças também sabem disso e ensaiam futuros pós-pandêmicos banhados de passado, onde a amizade ganha os contornos de uma economia solidária: que todo mundo pudesse tirar o dinheiro, trabalhando e sacando... que todas as crianças pudessem ganhar brinquedos todos os dias... ganhar dinheiro em casa porque muita gente perdeu tudo na pandemia... uma ajuda para os trabalhadores ambulantes que trabalham na rua... que possam ver mais lives dos cantores, aprender muitos jogos, ter mais tempo livre... matar a saudade de abraçar!

Texto e referência do livro - MUNIZ, Cristina; PEREIRA, Rita Marisa Ribes; QUEIROZ, Caroline Trapp de. Melancolia e Amizade: Infância, Alteridade e Tempo Presente. In: GOBBI, Marcia; TAVARES, Maria Tereza Goudard (org.). Pensar Infâncias na Cidade em Tempos de Pandemia. 1. ed. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2021.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

PROJETO INTEGRAÇÃO “A infância até os doze anos”

 

O PROJETO INTEGRAÇÃO  A infância até os doze anos”  que acontece há muitos anos no ISERJ entre professores e supervisores destes segmentos, desafia o Laboratório Brinquedoteca ISERJ a agregar ações do campo das teorias e práticas lúdicas em diálogo com os parceiros buscando refletir questões sobre política e currículo, nessa arena de disputas.

CASINHAS E BAMBUS




















Referência:

SANTOS, N. O. ; MUNIZ, Maria Cristina S.  - O livre brincar na construção de um lugar seu- as brincadeiras de casinha. In: II Congresso de estudos da infância: politizações e estesias, 2019, Rio de Janeiro. II CEI 2019. Rio de Janeiro: UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A, 2019. p. 546.


Vídeo "JUSTIÇA"