quarta-feira, 29 de março de 2017

Projeto Canteiros - Observação no recreio2

29 de março
(Relato Midian Maria dos Santos)
Observação do recreio de crianças do ensino fundamental, no pátio externo. Ao fundo, há uma televisão ligada com um filme do X-man em inglês. Apenas uma criança assiste. Aproximo-me de um grupo de meninas sentadas em um conjunto de mesas e cadeiras de concreto. Estão reunidas em torno de uma casinha de boneca de papel. Junto, algumas bonecas pequenas.
Eu: Do que vocês estão brincando?
Menina1 - Boneca. Aqui é minha casa. A porta do baile.
Menina2 - Aqui é o baile. Tô vendo bem aqui as portas do baile.
Menina3 – É aqui o baile!
Eu: Na sua casa tem um baile?
Menina2: Aqui, tá escrito: bai-le.
Eu: E sua boneca vai para o baile?
Criança 1: Não, é amanhã.
Eu: Me explica: são várias casas ou é uma casa só?
Menina1 - É uma casa só.
Menina2 – Ô tia, a casa é uma casa só! Somos irmãs. Esse é o meu quarto. Esse é o quarto dela e essa é a foto do pai e da mãe. E essa foto do pai e da mãe, que parece que morreu.
Menina1 – Não morreu, foi viajar.
Elas continuam a brincar, quando uma delas grita: “encontrei um baú de dinheiro. Fiquei rica. [...] E todos foram felizes”.
Menina1 – Eu vou andar no cavalinho
Menina2- Tem uma biblioteca aqui
Menina3 – Cadê?
Menina2 - Tem uma biblioteca aqui.
Uns meninos se aproximam. Elas dizem: “sai!” Pergunto por quê.
Menina1 – Porque as meninas estão de biquínis e eles vão ficar zoando.
Eu- Ué, mas eles nunca viram meninas de biquíni?
Menina1 – Não, parece que não.
Eu- Eles falaram isso para vocês?
Quando a resposta ia chegar, a atenção se voltou para o que uma menina disse:
Menina1 – Olha, o carrinho tá cheio de doce.
Eu retorno com a questão: Os meninos não podem vir para cá?
Menina2 – Não, tia! Porque eles são chatos.
Menina1 - Quando eles veem a gente brincando disso (bonecas de biquíni), chamam a gente de criancinhas.
Menina2 – Olha, gente aqui tem “pique-rato”. Rato comendo doce.
Pergunto se os meninos poderiam vir se não implicassem com as roupas das bonecas com biquíni.
Menina1 - Podem. Só olhar. Brincar não. Porque eles não têm nem Barbie.
Eu – Eles não podem brincar com a boneca?
Menina2 - Não. Porque eles são homens.
Eu - Meninos não podem brincar de boneca?
Menina3 - Eu brinco de boneco.
Menina1 - É porque a Barbie não tem namorado. Ela [precisa] casar...
Eu – Ela precisa casar?
Menina2 - Precisa.
Eu – Por que tem que casar?
Menina1 – Ai, Senhor!
Eu - Ela não pode ficar sozinha, solteira pra vida toda, tem que ser casada?
Menina1 – Ai, que nojeira tudo jogado no chão, uma sujeira! Vou sair desse quarto.
Recomeça um dialogo que não consigo definir, pois são vários assuntos ao mesmo tempo. Escuto uma criança falar de esconderijo, outra falar de namorado de alguém. Alguns meninos retornam para o grupo das meninas e dizem que é mentira o que uma delas falou e a resposta foi: “olha só, vocês vão levar um soco no meio da cara. Aí, vocês vão ver o que é mentira”. Eles dizem que “brincadeira de boneca é coisa de criancinha”.
Eu - Eu acho que eles estão querendo brincar, por isso que eles estão inventando isso.
Menina2 - Não é não, tia.
Menina1 - A tua irmãzinha não reclama de brincar de bonequinha, né, Kelson? [...] Olha só,  gente, o que estava escondido aqui. Aqui é meu quarto, se alguém quiser dormir comigo...
Menina2- Olha, achei um bolo de cenoura aqui escondido.
Menina1- Empregada, compra uma coisa pra mim e minha irmã Vitória.
Uma menina tenta achar um jogo no meu celular e eu digo que não tenho jogo instalado. Ela faz uma cara feia, reclama, e pergunta se eu não tenho filho. Respondo que não.
Menina3 - Eu tenho uma afilhada! Uma sobrinha!
Menina4 - Eu vou ser tia!
Menina3 - Eu tenho duas sobrinhas e duas afilhadas.
Menina1 – Tia, você não tem filho?
Eu – Por que eu tenho que ter filho agora?
Menina1– Ah, não sei. É complicado.
Eu – É complicado, né?
Menina3 – Primeiro tem que arrumar um namorado.
Menina1 - Eu vou arrumar o MC Bill pra você.
Eu- Mas quem é esse MC Bill?
Menina1 – O MC. Bota a musica dele, “Demorô”. Você vai amar ele.
Eu - E o que ele canta?
Menina1 cantarola a letra de uma música.
Eu – E você escuta MC Bill também?
Menina5 – Eu não. Sou evangélica
Eu – MC Bill é igual ao MC Gui?
Menina1 – Não, o MC Gui é muito feio. Usa óculos. E já teve catapora.
Eu – Mas o que tem ter catapora. Todo mundo já teve ou vai ter.
Menina5 – É melhor ter catapora do que saber que a minha prima já pegou dengue.
[...]
Eu – Música do MC Bill é pra criança?
Menina3 – É, MC Bill é pra criança porque não fala palavrão.
Todas começam a conversar ao mesmo tempo assuntos diversos. Desloco-me para o espaço em que os meninos estão jogando bola e onde há outros sentados, em grupos, conversando. Aproximo-me de um menino que está perto do campo e que não está jogando. Pergunto por que e ele responde que não tem vaga para ele jogar. Para entrar no jogo, teria que ter mais um jogador. Se aproxima uma menina que começa a me perguntar sobre o meu celular. Então, depois de observar um pouco o jogo, pergunto se ela quer jogar e ela diz que sim. Me direciono ao campo e pergunto aos meninos que estão jogando se podemos jogar e eles dizem que sim. Pergunto sobre as regras e eles dizem que não tinha, era só jogar e fazer gol.
Questões
No recreio, quase não há brincadeiras em que meninos e meninas interajam. Também não há interação das crianças com adultos, exceto quando entrei no jogo de futebol. É importante pensar:
1.     A atuação do educador nas brincadeiras e a promoção da qualidade na mesma;
2.     A relação do gênero;
3.     A criança e a relação com o adulto – interação geracional;
4.     A criança e o pesquisador;
5.     Os desafios da pesquisa com crianças.
O que podemos ofertar para as crianças na hora do recreio? O que é o recreio? Como elas gostariam que fosse o recreio? No recreio se brinca da mesma forma que em casa? (Pergunto isso pelo fato de uma criança buscar jogos no meu celular.)
Sugestões de tema que podem ser argumentados com as crianças sobre a criação de brincadeiras tais como esconderijo ou pique-rato.

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