segunda-feira, 1 de março de 2021

Diálogo com Grupo Alfabetização em Curso (PEDAGOGIA/ISERJ)



















É difícil fotografar o invisível, no entanto, tentei” Manoel de Barros 

Inspiradas por esses diálogos escrevemos sobre os desafios da experiência estética na educação tendo como foco a construção de um pensamento autoral. A experiência estética no campo lúdico, este no qual se insere nosso conceito de brinquedoteca, é pensada como um movimento que desde nossa incompreensão primitiva  impulsada pela curiosidade nos impele a buscar o mundo das coisas. Lúdico como aprendizagem do desejo, diz M. M. Bousquet (1987), este que tateia e saboreia a plasticidade da vida enquanto desejo do apetite de viver. D. Winnicott (1975) vê na sustentação da ambivalência - mundo interno mundo externo - a possibilidade de seguir formando imagens e utilizá-las construtivamente, como continuidade da existência que se quer autoral.


Pelo movimento de seu corpo inteiro, a criança brinca/representa o nome e assim aprende a falar. O movimento da língua só é um caso particular dessa brincadeira, desse jogo. Para a criança as palavras não são signos fixados pela convenção, mas primeiramente, sons a serem explorados. Benjamin diz que a criança entra nas palavras como entra em cavernas entre as quais ela cria caminhos estranhos (J.M. Gagnebin, 2005, p. 97;98)

 


Walter Benjamin é autor que nos ajuda a resignificar a importância desse caráter particular da aprendizagem humana a partir de sua reflexão sobre a dimensão mimética da linguagem. Ao analisar o desenvolvimento da linguagem a partir de nossa capacidade mimética original, modos de ligações e configurações na criação de semelhanças desde a mímica gestual corporal primitiva, a sonoridade que acompanha essas expressões até a linguagem fonética, relaciona esses movimentos ao jogo infantil, uma vez que a criança reinaugura a cada vez essa sensualidade primeira buscando reter a fisionomia do mundo.


Há nesse jogo da vida muita luta, o combate fictos fingido (A. Houaiss, 1983) no campo do lúdico onde nossos tantos tremores não produzem feridas, mas a chance mesmo de experimentar a vida em seus múltiplos afetamentos.  

Sobre o caráter assustador do livre brincar lembramos aqui desde as reflexões de H. Marcuse (1981) sobre a grande recusa de nossos impulsos libidinais, a negação da união Eros e Logos que a racionalidade tenta afirmar contra o perigo de uma possível revolução que ameaça sua realidade normatizada e o esfacelamento de seu poder.



Poder que confina a arte ao museu e a fantasia a uma “outra cena” à margem da realidade, onde o princípio de realidade faria uma concessão ao princípio de prazer, concessão por onde Freud (1996) via a possibilidade de escapar da realidade e Winnicott (1975) a criação mesmo de sua fabricação.

Escavando nossos muitos registros desse longo trajeto do laboratório brinquedoteca na escola reiteramos a urgência da experiência estética na educação escolar em uma perspectiva crítica, na qual a ideia de uma diferença radical entre o jogo da criança e o jogo do adulto, por imaturidade infantil, seja revista por um princípio de transposição imaginária do real, comum a todas as gerações, vide as artes, mas radicalizada pelas crianças.

E se não está perdido ainda o resíduo da compulsão primitiva em criar raízes para ler o mundo, caberia dizer que para dar sentido a esse existir no presente precisamos seguir com as infâncias explorando cavernas, onde o mundo dos acontecimentos oníricos que permeiam o brincar, nunca idênticos, mas semelhantes, possa deixar de ser o mesmo para se tornar também outro, novo, futuro verdadeiro (Gagnebin, 2005, p. 100). 



Ref:  Texto completo nos Anais CEI/UERJ 2021 - MUNIZ, Maria Cristina S. Tia, eu fico possuído! Experiências estéticas e educação. In: III Congresso de Estudos da Infância, 2021, RIO DE JANEIRO. Movimentos, limiares e fronteiras. RIO DE JANEIRO: UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA, 2021.